sábado, 9 de outubro de 2010

O pesadelo está de volta

IPCA chega a 0,45% em setembro, pressionado pela alta dos alimentos. Alguns produtos já começam a deixar os carrinhos de compras dos brasileiros. Para analistas, o BC tem um dilema: subir os juros, frear a inflação e atrair ainda mais dólares, ou deixar a Selic onde está

Cleber da Silva está recorrendo a marcas diferentes para fugir da escalada de preços. Em vez de açúcar e frutas, agora leva sucos adocicados. As carnes, só as mais baratas.
Maria das Virgens: "Sempre falta alguma coisa. Está tudo muito caro".
Após três meses na lona, a inflação voltou a incomodar o bolso do brasileiro e a embalar os seus piores pesadelos. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 0,45% entre agosto e setembro. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os vilões do mês foram os alimentos, grupo de produtos responsável por mais da metade desse encarecimento. Em 12 meses, a carestia chegou a 4,7%, valor que já supera em 0,2 ponto percentual o centro da meta definida pelo Banco Central. No levantamento, a capital do país foi o destaque negativo. Alimentar-se em Brasília ficou 1,79% mais caro em setembro e os preços, no geral, subiram 0,8% - quase o dobro da média nacional.
A elevação, apesar de ter corroído o orçamento do brasileiro, veio dentro do esperado pelo mercado financeiro e pelo BC. Mas, segundo alguns analistas, deixou a autoridade monetária em uma encruzilhada: de um lado, tem a obrigação de garantir a estabilidade de preços; do outro, se subir juros, vai abrir as portas do país à entrada de mais dólares e, por consequência, provocar valorização ainda mais intensa e indesejada do real. "Com o dólar caindo, subir os juros iria atrair mais capital estrangeiro para o país e valorizaria ainda mais o real. O governo não quer isso", argumentou Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio e ex-diretor do BC.
Na visão de Constatin Jancs o, economista do banco HSBC, uma elevação da Selic na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em 19 e 20 de outubro, conteria preventivamente riscos de inflação mais elevada para o próximo ano. Minimizaria as pressões sob o custo de vida oriundas de um mercado de trabalho dinâmico e com desemprego em baixa, de uma indústria perto da sua capacidade máxima de produção e do crédito farto impulsionando o consumo. "Para minimizar esses riscos de médio prazo faria sentido o BC já subir juros agora", defendeu Jancso. "Mas a probabilidade dele fazer isso é pequena", ponderou.

Consumidor

Enquanto economistas debatem a questão cambial e os efeitos de possíveis altas nos juros, o consumidor amarga a perda do poder de compra e reclama do encarecimento dos alimentos, que têm diminuído a fartura que havia se tornado habitual na mesa dos brasileiros. Cleber Francisco da Silva, 32 anos, recorre a produtos de marcas diferentes das que costumava comprar para tentar driblar o aumento de preços e vai a mais de um supermercado fazer pesquisas. Silva tem uma renda mensal de R$ 2,5 mil e uma despesa de cerca de R$ 800 para encher a despensa da casa onde mora com a esposa, uma filha, uma sobrinha e a mãe. "O açúcar e as frutas mais caros vão me obrigar a comprar sucos adocicados. Também vou procurar carnes mais baratas", disse.
A situação também é semelhante para Maria das Virgens Oliveira dos Santos, 38 anos. Ela e o marido mantêm os quatro filhos com R$ 1,8 mil. "Nunca somei na ponta do lápis, mas todo mês gasto uns R$ 600 e sempre falta alguma coisa. Está tudo muito caro", reclamou. Ildileni Rodrigues Ribeiro, 30 anos, consome por mês quatro litros de óleo de soja para preparar as refeições e pretende diminuir a quantidade pela metade. A família de Ildileni tem uma renda de R$ 1,5 mil e mais de um terço é comprometida em compras no supermercado. "São seis pessoas em casa e não sei o que vai acontecer", lamentou.
Na lista do IBGE de produtos que mais subiram encontram-se o feijão carioquinha (56,9% de alta), as carnes de gado (14,93%) e de aves (3,29%), pães (4,07%) e as frutas (13,18%). Já o óleo de soja disparou nos últimos dois meses, acumulando uma alta de quase 15% no período. De acordo com a coordenadora do IPCA, Eulina Nunes, problemas climáticos, tanto no Brasil quanto no exterior, causaram a redução da oferta de determinados produtos e encareceram preços. "A Rússia, por exemplo, é um dos principais produtores de trigo e o Brasil, um grande exportador. Com a quebra da safra por lá, os preços subiram aqui, inclusive dos derivados, como o macarrão e outros de consumo largo na mesa do brasileiro", justificou Eulina.

Custo de vida em Brasília

O custo de vida em Brasília cresceu muito em setembro, e os mais prejudicados pela elevação foram as famílias de baixa renda, com rendimentos de até 2,5 salários mínimos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para os brasilienses pobres, os preços subiram 1,04% - o encarecimento mais expressivo entre as unidades da federação avaliadas pelos pesquisadores. Na média nacional, o desempenho foi menos intenso, mas, ainda assim, quem tem menos dinheiro teve o orçamento fortemente atingido pela inflação. Enquanto o custo de vida subiu 0,45% para a população no geral, quando se faz um recorte para avaliar a vida da baixa renda, esse aumento de preços foi de 0,54% para essa parcela de consumidores.

Victor Martins

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