A Todeschini, que sofreu um incêndio no dia em que foi comprada, em 1971, passou os últimos anos se reestruturando para atingir a classe A
A sina da Todeschini, maior fabricante de móveis da América Latina, é recomeçar. Por quatro décadas, a empresa de Bento Gonçalves (RS) produziu acordeons. Na tarde de 13 de agosto de 1971, o empresário gaúcho José Eugênio Farina, na época com 47 anos, comprou todas as ações da família fundadora e passou a ser o proprietário da fábrica, que estava à beira da falência.
Apostou tudo o que tinha porque acreditava que era possível reerguer a empresa usando as máquinas para fabricar móveis. Foi dormir naquela noite dono da Todeschini, com seus maquinários importados e 500 funcionários. Acordou de madrugada com os gritos de um amigo do lado de fora da casa. A fábrica estava em chamas. "Nunca vi coisa igual: os pingos de chuva que caíam sobre a fábrica pegavam fogo", lembra Farina, aos 86 anos.
O empresário decidiu recomeçar "do menos zero" na segunda-feira seguinte. Neste ano, o Grupo Todeschini, formado por três empresas, espera faturar cerca de R$ 820 milhões e pretende chegar em 2012 ao primeiro bilhão. A marca primogênita, que dá nome ao grupo, é o carro-chefe da empresa, responsável por quase 45% do faturamento. Desde o incêndio, 39 anos atrás, foi a que mais vezes teve de se recompor, especialmente nos últimos cinco anos.
Enquanto as outras empresas do grupo ganhavam mercado, a Todeschini viu sua rede encolher. Segundo a empresa, uma estratégia premeditada. Aos olhos de empresários do setor moveleiro, que movimenta cerca de R$ 22 bilhões por ano, resultado de um passo em falso.
Além de mudar radicalmente o canal de vendas, a Todeschini abandonou os clientes de baixa renda para se aventurar na classe A. Por mais de 30 anos, os móveis foram vendidos a preços populares em grandes magazines, como Ponto Frio e Lojas Colombo, chegando a atingir 2,5 mil pontos de venda. Hoje, são 320 lojas próprias.
Desde 2005, a marca vem passando por uma avalanche de mudanças. Ao mesmo tempo em que "seu" Farina entregava o comando do grupo aos seus quatro filhos, a empresa decidiu deixar as grandes redes de varejo e montar lojas próprias, firmando contratos de exclusividade com lojistas de todo o País.
A meta era manter o mesmo faturamento, que girava em torno de R$ 200 milhões, mesmo com a presença mais restrita. Para atingir um número de lojistas que garantisse uma receita semelhante, a Todeschini se lançou numa busca desesperada por parceiros, sem definir direito o perfil que estava procurando. "Nesse momento, o posicionamento voltado para a classe A não estava 100% claro", conta o diretor comercial, Nereu Conzatti, um dos poucos executivos da casa a coordenar, ao lado da família, a reestruturação.
Sem saída. A marca chegou a 550 lojas no Brasil. Mas novamente teve de refazer os negócios. O que não estava muito claro no início - a aposta em design e móveis para um público mais exigente - tornou-se uma questão de sobrevivência. "Tínhamos de agregar valor ao produto para enfrentar a concorrência. Não tínhamos saída", conta João Farina Neto, presidente do grupo e filho mais velho de José Eugênio. A Todeschini queria ocupar o lugar dos tradicionais marceneiros, oferecendo projetos personalizados aos clientes.
Não chega a ser um ressurgimento das cinzas, mas emplacar uma grife a partir de uma marca popular é quase isso. Nem os lojistas estavam preparados. "Alguns ficaram inconformados por não poder mais colocar uma faixa colorida na porta da loja anunciando saldão", lembra Conzatti. A nova reestruturação foi o preço que a empresa teve de pagar por ter optado pelo reposicionamento de sua marca mais antiga. Os próprios lojistas questionaram à época se não seria mais vantajoso criar uma grife do zero e manter o foco da marca nos clientes de baixa renda. "Tudo foi decidido com planejamento", justifica Farina Neto.
Conversa. Em três anos, a Todeschini fechou perto de 200 lojas. Os parceiros foram descredenciados ou passaram a trabalhar com a Italínea - marca popular do grupo que foi progressivamente tomando o lugar da irmã mais velha. Foi o caso da loja de José Roberto Rodolfo, de Blumenau (SC). Ele vendia Todeschini desde a época em que ela era conhecida por seus móveis coloridos, de fórmica. "Era uma marca do povão mesmo", lembra.
Quando a empresa determinou que iria mudar de foco, chamou Rodolfo para uma conversa. Se continuasse com a Todeschini e se adequasse à nova clientela, o faturamento iria triplicar, lembra. "Mas a minha equipe não estava preparada. A classe A quer arquitetos, esses caras de interiores, e eu não tinha isso." Rodolfo só percebeu a deficiência depois de aceitar a proposta. Por três anos, amargou prejuízo.
Em 2007, foi chamado para uma segunda conversa. Dessa vez, para dizer que ele não estava dentro do perfil e tinha de se desligar ou mudar para a Italínea. Para não perder o negócio, Rodolfo migrou para a marca popular. "Agora, estou trabalhando com gente que eu entendo." O mais difícil nesse processo, conta Farina Neto, foi qualificar os lojistas que ficaram na Todeschini. "Não bastava ter um produto melhor, o serviço precisava ser muito melhor também."
Repaginada, a marca está agora tomando fôlego para voltar a crescer. Pretende chegar ao fim do ano com 350 lojas exclusivas - quantidade que está perto do limite que a rede pode suportar. O foco na classe A restringe a clientela e exige um controle na abertura de novas unidades para não saturar o mercado.
"Por serem os pioneiros, os Farina acabaram enfrentando dificuldades", diz Ivo Cansan, presidente da Associação das Indústrias de Móveis do Rio Grande do Sul - Estado que concentra 2,7 mil empresas moveleiras, das 14,6 mil que existem no País. "Os que vieram atrás aprenderam o caminho."
Na história da Todeschini, colocar projetos em prática parece não ser tão simples. O novo ciclo de crescimento coincide com a saída de alguns dos maiores e mais antigos lojistas. Nos três Estados do Sul, a empresa perdeu suas unidades mais representativas no último ano. "Dois fatores basicamente nos fizeram sair da rede", disse um dos ex-lojistas. "As exigências do contrato de exclusividade e os preços ao consumidor, que ficaram top demais."
Todas as mudanças são acompanhadas de perto pelo fundador. Ele não é mais o primeiro a chegar na fábrica e o último a sair, mas faz questão de "bater ponto" todos os dias na sede. Sobre os rumos que a Todeschini tomou, ele faz uma reflexão: "Fomos desde o início uma empresa de reestruturação. Portanto, o que estamos vendo não é uma transição, é uma continuidade", diz. "Seu" Farina não gosta de fazer grandes previsões sobre o futuro da companhia. Espera, claro, crescimento. Mas é cauteloso: "Sabe como é, né? O destino dá cada surra na gente..."
Continuidade
JOÃO FARINA NETO PRESIDENTE DO GRUPO TODESCHINI "Tínhamos de agregar valor ao produto para enfrentar a concorrência. Não havia outra saída."
JOSÉ EUGÊNIO FARINA FUNDADOR DA EMPRESA "Fomos desde o início uma empresa de reestruturação. Portanto, o que estamos vendo na Todeschini não é uma transição, é uma continuidade."
1932
Luiz Matheus Todeschini funda, em Bento Gonçalves (RS), uma fábrica de acordeom. Na década de 50, a empresa, com 500 funcionários, chegou a exportar instrumentos
1971
A fábrica de Todeschini, à beira da falência, é vendida para José Eugênio Farina. No mesmo dia, o prédio é consumido por um incêndio. Ele reformou o maquinário e começou a fabricar cozinhas
2004
Os móveis Todeschini deixam as magazines e passam a ser comercializados em lojas próprias. Para manter o faturamento, a empresa infla o número de unidades e começa a focar a classe A
2007
A falta de preparo dos lojistas e o número de unidades, incompatíveis com a nova clientela, obrigam a empresa a encolher sua rede e montar um programa de capacitação
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